UM POUCO DA HISTÓRIA....
Reunião de família, dia das mães, ano 1984, no sobrado da Rua Claudino Alves, luzes acesas, uma grande mesa redonda, cadeiras de palhinha, um sofá, quadros com fotos de antepassados, um relógio de pêndulo marcando 20 h. Dona Izabel, uma senhora de 86 anos, sentada em uma das cadeiras, tendo em volta filhos, netos e bisnetos, conta a sua história.
Numa mistura de espanhol e português, ela começa:
NOSSOTROS... vivíamos na Espanha em um lugar (pueblo) chamado Cuevas de Vera. Meu pai, José (papa) avô de vocês, irmão da vó Ana, que vocês conhecem por Madre, trabalhava em um moinho de farinha, onde todos do Pueblo levavam seus cereais para moer. Todos se conheciam e costumavam se reunir na casa de meu pai, para conversar e cantar, alguns eram exímios guitarristas (primeira manifestação de alegria e união).
A Madre era casada com o avô André, o padre, tinham 4 filhos, o Bartholomeu, o Miguel, o José (Pepe) e o Luiz. Minha mãe (Maria) que vocês conheceram como Mama, teve 5 filhos eu (Izabel), o Thomaz, o José, o João e uma menina de nome Melchiora. Vivíamos felizes até que em 1906 apareceram pessoas no Pueblo que convenceram os velhos a virem para o Brasil, dizendo que aqui era um paraíso.
As famílias venderam tudo que possuíam e embarcaram em um navio. A travessia foi boa, segundo me lembro. Os viajantes eram alegres, cantavam e dançavam, enquanto comiam nozes e avelãs e tomavam vinho, que em boa hora meu pai resolveu trazer para o navio.
A chegada a Santos, a ida para uma fazenda em Campinas, onde o alojamento era num barracão muito grande e se improvisou camas, com sacos e palhas de milho.
Hora do almoço: não havia pão na mesa e os espanhóis, comandados pelo meu pai, levantaram-se e se negaram a almoçar; outra vez valeram as nozes e avelãs. Liderando os espanhóis, o Papa conseguiu alojamento e condições dignas para todos (segunda manifestação de união).
Os imigrantes que nunca haviam trabalhado na terra, não se adaptaram; o Papa arrumou trabalho no moinho Matarazzo e os demais se ajeitaram na construção civil. Conseguiram juntos, depois de uma passagem por Santos, comprar terras na região de Caieiras (terceira manifestação de união). Lembro-me das festas e dos bailes.
Nessa peregrinação, perdi minha irmã Melchiora e meu irmão João.
Viemos para São Paulo, moramos na Rua Caetano Pinto, reduto de espanhóis; na época tinha então 13 anos. Comecei a trabalhar na tecelagem Matarazzo. Trabalhava à noite, o que me propiciou ver o Cometa Haley na sua passagem em 1910, aquela grande estrela e sua enorme cauda, trazia muito medo às pessoas.
Casei-me com o Bartholomeu; mudamos primeiro para a Vila Barbosa, perto da estação do Pari, e mais tarde para a Vila Espanhola, hoje Rua dos Espanhóis, que tomou esse nome porque nos reencontramos e fomos vizinhos durante muitos anos, sempre conservando a união e a alegria que trouxemos da Espanha.
Tive 11 filhos, mudamos para a Rua Piatá, em uma casa construída por nós mesmo, aos domingos e feriado. Os mais velhos se casaram e vieram os netos, o Ariovaldo, a Elide, o Edison e mais alguns.
Mudamos para esta casa, que também construímos nos intervalos do trabalho. Os demais filhos se casaram, vieram mais netos, hoje somos mais de 50, a casa vivia sempre cheia, continuamos unidos e felizes.
Passei por revoluções, guerras e dificuldades, mas estávamos sempre unidos e felizes. Os mais velhos faleceram, o Padre a Madre, a Mama, o Papa, os filhos da Madre, o Miguel, o Luiz, o José e por último, o Bartholomeu. Faleceram também os filhos da Mama, o José e o Thomaz, meus irmãos. Esse último, o Thomaz, se casou com a Pilar e tiveram 5 filhos; o José, o Rubens, o Milton, a Lourdes e o Tomacico; permaneceram em Caieiras.
Com o falecimento do Bartholomeu, as coisas começaram a mudar; ficamos, eu em São Paulo e a Pilar em Caieiras, remanescentes de uma família espanhola, feliz e unida. A Pilar recebia a família, nos fins de semana, agora aumentada pelos netos. O sítio passou a ser um local de encontros, impera ainda, a união e a felicidade, porém uma vez por semana. Continuei morando nesta casa. Os filhos, ao entardacer, antes de irem para suas casa, passavam por aqui me faziam companhia por algumas horas. As vezes, por ocasião de feriados ou mesmo fins de semana, apareciam vários familiares, para passar algumas horas; parece uma ESTAÇÃO RODAVIÁRIA; chegam pessoas, vem a alegria e a união, elas partem, fica a tristeza e a solidão (primeira manifestação de desamor e infelicidade).
O INICIO
Atentos e com o coração pequeno, eu Alcides, a Carmen e a Aurora nos entreolhamos e nos perguntamos; o que estamos fazendo para perpetuar a história de nossas famílias e, acima disso, reunir seus membros e reacender a união existente no passado e relatada por nossa mãe? Surgiu a idéia; começar com uma festa. Para isso a sorte já nos ajudou. Coincidência feliz; Izabel e Pilar aniversariam no mesmo dia ; 12 de dezembro.
E A FESTA ACONTECEU
Com alguns entendimento e reuniões, com participação efetiva do Gildo, do Edison e da equipe formada pelos jovens da nossa família, conseguimos realizar a festa. Dia 8 de Dezembro, dia dedicado à família, reunimo-nos em Caieiras (voltando às origens), lá no sitio da Tia Pilar. O churrasco foi comunitário; mais de 300 pessoas, muita emoção, alegria e união. Muitos se reencontraram após longo tempo sem se verem; outros se encontrando, sem antes terem se conhecido.
Nossos filhos, mesmo os maiores, talvez não entendiam completamente o significado que esta festa estava tendo para todos nós, mas com certeza sentiam que algo estava renascendo; a união, a amizade, a vontade da convivência mútua, enfim, o reencontro da Família Marin Navarro.
DEVEMOS CONTINUAR E CONTINUAMOS
Aquilo que começou com uma festa de aniversário das duas velhinhas e com propósito de homenagear e agradecer a elas tudo que nos deram, transformou-se em algo maior. A felicidade se passou de nós. Pudemos sentir hoje o que nossos antepassados sentiam na longínqua Espanha, quando se reuniam para tocar e cantar. Fizemos o segundo e terceiro encontros, este último no dia 14 de fevereiro deste ano (poderíamos dizer que foi a terceira manifestação de união da família, na atualidade).
Queremos e devemos continuar e ampliar nossos encontros, e que não haja somente essas manifestações periódicas; que a união e a felicidade se tornem perenes para que todos nós possamos dizer “TE QUIERO UNA BARBARIDAD”